Outro dia algumas pessoas me olharam torto
depois de uma bela sugestão dada a um aluno de licenciatura do terceiro ano de
um curso de minha cidade. Sim, ele havia postado em seu facebook o descontentamento em descobrir, em plena metade do curso
de formação docente, que não era “isso que ele queria” para sua vida. Não perdi
a oportunidade e lhe disse que ainda estava em tempo a desistência e a procura
por outro curso do qual ele se agradasse mais. Percebi que não houve respostas
de sua parte, tampouco “curtidas” em relação à minha postagem. Entendo bem o
silenciamento dele e os discursos de outros comentadores que prosseguiram em
aconselhá-lo para terminar o curso, mesmo que ele não se simpatizasse por
aquela graduação. Refleti. Fiquei curioso para saber as motivações de algumas
daquelas pessoas para estimular aquele licenciando a insistir na frustração de
persistir em algo que ele próprio rejeita. Continuei a ler os comentários e
houve um que me inculcou ainda mais: o produzido por uma recém-egressa de outro
curso de licenciatura em que, de forma defensiva, construíra seus argumentos em
favor do rapaz e com base em sua experiência efetivada no processo de formação
docente. Disse em mau português: “[...] esse estágio é só teoria e enjoo (acredito
que o complemento aqui é destinado aos professores orientadores de Estágio). Na
prática não acontece nada do que os professores pedem e exigem para que seja
feito”... Concordo em partes, mas isso é outro assunto. Concordo, mas não
porque o texto agora é meu! Eu aconselhei o aluno a desistir do curso por um simples
fato: não quero que aconteça no futuro, para o bem da qualidade de educação de nossos
filhos, que ele venha exercer uma profissão pela qual ele não se simpatize.
Porque nunca se sabe o que pode acontecer num mundo capitalista como este em
que vivemos. Vai que, em um belo dia, ele acorde desempregado ou mesmo
insatisfeito com sua outra profissão e, em busca de uma renda boa, resolva
fazer um concurso público docente pensando na tranquilidade de uma carreira
pública e estável. Sim, digo renda boa, porque, por mais que reforcemos que o
professor não ganha bem, ele, ainda sim, ganha muito melhor do que muitos
outros profissionais em nosso contexto. Inclusive conheço algumas dúzias de
pessoas que abandonaram outra carreira para assumir a sala de aula. Todavia não
sei se era por pura paixão pela arte docente, pelo desejo cidadão de mudança
social ou pela garantia de um plano de saúde ou de uma futura aposentadoria. Afinal,
vale tudo nesse mundo. E qual seria o valor do professor nesse mundo?! Talvez
sendo triplicada a carga horária da profissão docente, em três turnos, some-se
um bom valor. Talvez aliando a docência à outra profissão seja uma forma de se
obter um bom orçamento. O curioso é que um futuro professor, outro dia, me
disse (e eu registrei em pesquisa!) que ele pretende conciliar a docência com
seu outro afazer para somar capital. Claro que essas são apenas ilustrações
comuns. Contudo, gostaria de refletir até que ponto o professor pode ser um bom
profissional pensando na docência como um modo de fazer “bico”? De outro ponto
de vista, como o professor pode ser um bom profissional se hoje, em nosso
contexto, ele é descartado pelo Estado no prazo de um ano sob um contrato em
que se paga uma merreca? Compreendi que, desse jeito, não vale muito. Aliás,
nem vale a pena! Não obstante, durante todos esses anos, na condição de
formador de professores, sempre vejo cenas de comodismo e de descaso de alguns professores que estão na escola apenas para
cumprir seus últimos anos para se aposentar ou para pedir uma licença prêmio
(olha o nome da recompensa!) etc. Nessa hora, tenho pena dos alunos em ter de
suportar um professor desses em sala de aula. Se, como dizem as teorias, a
identidade docente é também (des)construída ao longo da observação de
aprendizagem (LORTIE, 2002), ou seja, o aluno, na condição de aprendiz, observa
modelos sobre como “ser ou não ser professor” a partir da atuação que ele observa
de seu mestre na profissão, imagine que concepção tal pupilo pode construir
acerca do professor que está ministrando aula desmotivado, não gostando do que
faz ou esperando apenas o dinheiro entrar em sua conta no fim do mês? Não
esqueçamos que a profissão docente, diferentemente de muitas outras, é
interativa. Não mexemos com papéis ou peças inanimadas, nossas relações sociais
preveem o ser humano que, em todo momento, (re)age conforme nossas respostas e
(atu)ações socioculturais e, por tabela, constitui-se e nos constitui via
língua(gem). Daí, entendemos porque não devemos maldizer a nossa profissão em
sala de aula. Entendemos os resultados de um estudo implementado em mais de
1500 escolas do país em que se observou que apenas 2% de alunos de ensino médio
desejam ser professores. Ou seria muito ingênuo perceber que, pelo menos, parte
das equivocadas concepções, ou melhor, parte do estado ruim generalizado pelo
imaginário social atual acerca da carreira profissional do professor não contém
resquícios representativos dessas condições e significações produzidas? Seja
isso pelo que se faz ou pelo que se fala. Tenho trabalhado com dados que me
levam a crer que muitos professores em formação não querem ser professores, mas
caso haja um concurso público para a área, com toda certeza, todos os
pesquisados fariam. Daí, questiono o que essa atitude pode produzir em termos
de qualidade educacional, de construção do imaginário social da profissão, de
proposta emancipadora aos nossos alunos. Desculpem-me, mas, entremeio às ações
desses tipos de professores (aqueles que querem formar o seu pé-de-meia e não o
aluno) quase só vejo elementos capitalistas neoliberais previstos em uma
sociedade mercadológica, por sua vez, preocupada com contas e números. E isso
não é um tipo de valor que minha profissão me permite acreditar que seja o
ponto fundamental. Mais ainda: não é uma perspectiva que construo com meus
alunos, futuros professores em formação inicial. Para mim, nesse caso, vale o
consenso de que a qualidade nunca poderá ser medida em termos de quantidade.
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