04 julho 2012

Facebook: onde tem de tudo e não tem de nada

Fico pensando na relevância que a rede social facebook tem adquirido com o decorrer do tempo, com a instauração e evolução de aplicativos e a adesão cada vez maior de um grande número de pessoas a ela. Como qualquer espaço político, social, não neutro, ideológico, histórico e cultural, no mínimo, a ferramenta tecnológica “democratiza-se” a partir do uso (in)disciplinado de qualquer cidadão. “Democratiza-se”, entre aspas, porque  o acesso à Internet ainda não é um benefício exclusivo de qualquer cidadão brasileiro. Por outro lado, é democrático porque existem diferentes tipos de sujeitos ligados por um fio, independente de classe, raça e cultura, com perfis e intenções bem diferenciadas.
A heterogeneidade virtual de pessoas não consiste necessariamente em um fator negativo na era tecnológica. Ainda bem que existem usuários de diversos níveis para pluralizar o meio e o tornar politicamente correto: com o ar da diversidade! Por exemplo, em ambientes virtuais, existem aqueles que escrevem e não são bem interpretados pelo interlocutor, porque faltou um ponto, uma vírgula, uma interrogação na pergunta, na declaração. Outros até são entendidos (com ou sem esforço!), mesmo grafando incorretamente algumas palavras. De qualquer forma, quando lemos suas postagens e constatamos as barbaridades que fogem à norma culta do português, não deixamos de pensar que as construções dizem respeito a um indivíduo sem muita escolaridade, com menor grau de cognição, até o famoso (e preconceituoso por sinal!) senso comum de que se trata de um desfavorecido a usar o facebook.
Não para por aí... Na rede social, vimos de tudo: de citações de Clarice Lispector e Caio Fábio de Abreu a versos bíblicos de proteção. Mesmo provenientes daqueles que não têm o hábito da leitura mensal, nem escolar, nem por prazer. Exercem, com isso, um tipo de leitura fragmentada, deslocada e oportunista, provedora genuína de bons fluídos. Daí, como se fosse uma espécie de divina inspiração para o dia, eles leem aquilo, em algum site, acham bonito, ou se sentem bem, ou se enquadram naquelas proporções, ou, ainda, acreditam que tal trecho seria uma boa indireta a algum colega e apertam o Ctrl-C Ctrl-V. Pronto!
Porém é fácil descobrir a façanha da cópia canônica ao averiguar o impecável rigor com a pontuação, a ortografia e a acentuação do português. Na hora, reconhecemos (para quem conhece texto de aluno sabe bem disso!) que a construção sintática não pertence ao danadinho que ousou plagiar, principalmente se for aquele danadinho ousado mesmo, cujos parágrafos colados não superam os próprios valores de produtor textual a ele concedidos. E imaginamos e tiramos nossas conclusões não cabíveis aqui... Mas ainda bem que alguns cumprem o doloroso dever de citar bonitinho a fonte. 
Não faltam as figuras públicas, ou caricaturas virtuais, recentes e muito compartilhadas pelos facefriends, como: Irmã Zuleide, Casos de família – Tema de hoje. São hilárias, nos fazem rir, ver o nível de criatividade autoral, sair da rotina, sair do ambiente de trabalho (nem que seja mentalmente!), e por vezes publicar o assunto em nossa linha do tempo. A razão é simples: a estratégica fuga ficcional diante de qualquer mazela sufocante que todo ser humano (pode ser brasileiro!) passa durante momentos de sua vida. O fato é que temas críticos normalmente não são postados e, por essa razão, nunca se tornam o topo dos compartilhamentos, já que geralmente são publicados apenas por uma parcela percentualmente menor de facebookers. Determinadas postagens geralmente estão em perfis de usuários maduros intelectualmente. São poucas e poucos.
Os memes também são fantásticos. Publicou? Virou notícia? Virou bordão social. Quem não se lembra do “para nossa alegria” em tom de ré menor, da “Luiza no Canadá”, entre outros? Aquilo enche o saco por menosprezar a capacidade humana de ser original. Se é que é possível alguns se sentirem assim.  
Por falar em criatividade, há sempre os discursos em que você, ao acordar, já imagina que vai virar boato facebookiano. Uma rivalidade futebolística pode estar entre o topo desses relatos singelamente mesclados de um teor sexual, de gênero, de falta de educação para com o próximo. Também compõem a ilustre lista de temas os acontecimentos históricos sociais exclusivamente populares do dia, além de alguma data comemorativa ou qualquer outra ocasião momentânea.  
Efemeridades à parte, no face, há também os desejosos da fama social. Com afinado marketing pessoal, publicam o corpo e a alma enamorada pela fantasia narcisista de ser. Normalmente, se menina, as encontramos em uma foto sem flash tirada diante do espelho, quase sempre fazendo “biquinho” e com, no máximo, três amigas captadas – bem arrumadinhas e produzidas. Com ou sem óculos escuros. Se meninos, com a camiseta dobrada na altura do abdômen contraído, com a cueca a mostra e com o boné virado, talvez mostrando a língua. Com ou sem correntinha no pescoço. Todos eles estão esperando comentários do tipo “ficou linda/o”, “perfeito/a” para amaciar o próprio ego à medida que leem os comentários.  
Há aqueles apaixonados de plantão que, na briga, na ilusão ou desilusão, no encanto ou desencanto conjugal, exprimem todos os seus sentimentos momentâneos para a galera ler. Em forma de indiretas ou não, aos amados (e odiados por aquele momento!), eles demonstram que, no amor, eles estão muito mal resolvidos, outrora bem resolvidos. Depende apenas do dia da postagem.
  Mas como se trata de um espaço democrático, há aqueles que aproveitam, também, para tornar pública uma marca, um acessório, uma roupa ou qualquer material de catálogo para venda. Sábios, eles fazem do facebook um espaço para atrair desde alienados a pessoas chiques, com vistas a divulgar seus produtos.
Há, por outro lado, aqueles que querem apenas bisbilhotar a vida alheia. Curiosos, não fazem questão de postar fotos (incluindo a de perfil!). Aliás, não postam fotos, não comentam aonde vão, com quem vão, se vão. Se são marcados, eles desmarcam a foto de um evento em que estavam presentes. Vivem no anonimato e fazem do facebook o seu plantão diário de notícias da vida alheia, só servindo para saber como estão seus agregados virtuais.
            E quem pensa que ainda não viu de tudo na rede social, não se estranhe se passar a olhar com outros olhos quem estampa seu álbum com copos e mais latinhas de cerveja e gente festando, esbanjando socialização e sociabilidade, como forma de promoção de status público (decente, eu diria!); quem fuma e posta fumaças para mostrar certa oposição doutrinar a algo padrão, como forma subversiva de atacar a normatividade; quem faz questão de ser decepcionante nos comentários e nas ponderações para chocar o outro; quem assiste a um vídeo e sem querer marca a opção curtir e o torna público aos amigos; quem copia piadas de mau gosto para causar impressão nos leitores. Que em mim só causam curiosidade para saber quem é o verdadeiro dono da ideia; quem anuncia melhor do que um GPS a localização espacial e territorial em que está ou esteve para causar inveja alheia; quem faz de seu facebook um outdoor de promoção de festas e eventos; quem aproveita o momento eleitoral para fazer horário político virtual; quem posta foto de seu bebezinho lindinho fazendo cocô, todo melecado, com as comadres a gritar “Que lindinho ele! kkkk”.
Ao final, é bem assim mesmo... É aquele velho lema: se eu não posso de um jeito, eu tento convencer de outro. O importante é que eu faça alguma coisa em prol de mim mesmo. Cada um posta aquilo pelo qual se constitui, de certa forma. Cada um posta aquilo com que se identifica ou não – se diferencia. Uma futura mamãe estará pensando nos sapatinhos de bebê, na importância de ser mãe, na relevância de expor uma barriga avantajada no perfil. Um professor vai sempre postar reflexões sobre determinados fatos e criticar determinadas posturas. Vai indicar um livro. Alguns professores, é claro. Vão incomodar. Um torcedor fanático vai maldizer todos os seus rivais com palavras e fotografias engraçadas depreciando outros times.
Como em toda vitrine capitalista, um indivíduo vai apreciar um produto e não comprar, outro não vai apreciar e vai comprar, outro vai passar despercebido e nem ver a vitrine... Agora, comprar é um sentimento de pertença daquilo que você optou para você, por você. Na realidade, compramos apenas aquilo que nos falta ou aquilo que em nós está escasso. De todo, a complexidade não está relacionada ao que ler e ao que não ler no facebook, mas àquilo que vou levar para minha casa depois que eu apreciar. Comprar, num mundo tão trivial em que se tem de tudo e de nada na vitrine, exige certo esforço individual. Exige reflexão e crítica. E só com elas poderemos alcançar uma qualidade de cidadãos autônomos na construção própria de espaços criativos de aprendizagem e de conhecimento, tornando-nos seres cada vez mais pensantes. No bom sentido, é claro.